quarta-feira, 9 de março de 2011

O Problema dos Universais na Visão de Tomás de Aquino

Cynthia Denize Silva Cordeiro de Lucena


Resumo: O presente artigo pretende abordar o problema dos Universais segundo a visão de Santo Tomás de Aquino. Partindo de um ponto de vista denominado de contexto realista moderado, onde ele analisa a forma de conhecimento através da conexão do intelecto e dos sentidos, pretendemos descrever o processo utilizado por Tomás para apresentar uma solução viável ao problema acerca dos universais.

Palavras-chave: Tomás, Universais, Conhecimento


1 - Introdução
Dentro da Idade Média muitas foram as discussões acerca da interseção entre os campos ontológicos e epistemológicos. Contudo, nenhuma discussão tornou-se tão célebre quanto a querela dos universais. Dentre o período considerado áureo na Idade Média, o século XIII, teve amplos debates, dentro das universidades, acerca do problema dos universais. Nesse contexto de ampla discussão surge a notória figura de Tomás de Aquino. É justamente na investigação e tentativa de solução por ele apresentada que nos ocuparemos no presente trabalho.
Inicialmente cabe-nos entender o que seria o problema dos universais. Para Tomás de Aquino, os seres podem ser, quanto à quantidade, de três tipos: os universais que se referem ao todo ou a nenhum; o particular que se refere à maioria ou minoria; ou o singular, que se refere a um. É sobre a solução desses elementos, estabelecidos dentro dos problemas dos universais, no período Medieval, um tema complexo e amplo, que vamos, de forma compacta, nos deter doravante.

2 - Desenvolvimento
O tópico principal do problema é o estatuto ontológico dos universais. De maneira mais objetiva vamos ter como universal o que pode ser partilhado por muitos particulares, ou seja, àquilo sobre o qual se pode predicar de várias coisas. Com base nesse problema, que é um eixo de encontro entre uma vertente predicativa e uma vertente ontológica, surge a questão: se este “universal” existe; qual a sua existência?; e, caso essa seja afirmada, ele é real (corporais ou incorporais) ou mental (intelecto)?. Porfírio, que por intermédio de Boécio dá à Idade Média o problema dos universais, em sua obra intitulada Isagoge, onde estuda o sistema lógico de Aristóteles, indaga: “os universais são realidades em si ou apenas concepções do intelecto?”
Diante das várias possibilidades de respostas às indagações de Boécio e Porfírio, temos as seguintes correntes dos problemas dos universais na filosofia medieval: o nominalismo que defende a tese de que os termos universais não existirem si mesmos, seriam só palavras sem existência real; o realismo absoluto ou exagerado que tem uma concepção objetiva, baseado no filósofo Platão, onde se afirma que os seres universais são coisas, são idéias universais, e existem por si mesmas, sendo considerado uma entidade ante rem (anteriores às coisas); e, a terceira tese, nomeadamente designada por realismo moderado, o qual se fundamenta em Aristóteles e defende que os seres universais são um composto de coisas e linguagem, ou seja, o universal ao contrário do realismo absoluto, é considerado como in re (dentro das coisas).
É nesta terceira corrente, a do realismo moderado, que vamos analisar os problemas dos universais sob a perspectiva de Tomás de Aquino. Nosso autor afirmava que “o estudo da Filosofia não se destina, a saber, o que pensaram os homens, mas a conhecer qual é a verdade das coisas” (Aquino, In Coelo et Mundo, I, lect. 22).
Tomás de Aquino diferenciava os homens dos outros seres vivos por eles possuírem o intelecto que é o que lhes permite conhecer o universal. Na sua concepção o ser é real. Porém, para conhecê-lo, precisamos da inteligência para poder entender o que nosso sentido está captando como realidade. Dessa forma, ele dividia o conhecimento entre o binômio sentido e inteligência. O sentido era aquele que permitia ao homem conhecer o singular do ser, ou seja, tudo o que está presente na sua definição enquanto matéria: a sua forma, a sua cor, etc. Já o intelecto iria bem mais longe justamente pela dinâmica que permite, ao homem, conhecer a essência das coisas.
Em sua teoria do conhecimento, o Aquinate afirma que o conhecimento começa com o sentido, oriundo da experiência sensível, com o objeto que está sendo conhecido. Findo esse movimento de apreensão do objeto, a imagem percebida passa pela fantasia até originar a compreensão das formas abstratas do intelecto. O intelecto, nesse ínterim, transcende o conhecimento sensível, pois ele vê a natureza das coisas em sua profundidade, ou seja, o intelecto alcança a essência das coisas materiais visíveis e invisíveis. É justamente nessa interação do conhecimento sensível, da experiência com objeto e da captação e compreensão pelo intelecto, que conhecemos o que é o universal. Esse conhecimento se concretiza com o contato com a matéria de onde o intelecto, que opera como uma luz da alma, irá individualizar e extrair sua essência que está no sensível e transpor-se ao inteligível, aspecto esse que apresenta-se como um elemento essencial, ou seja, a forma universal das coisas.
Tomás de Aquino, em sua investigação acerca da maneira com a qual o intelecto interage com as coisas no mundo, denomina de intelecto passivo o intelecto que entende o inteligível, a essência da matéria, pois elas fazem parte das intervenções racionais humanas. Para ele, a verdade lógica não está só no intelecto nem nas coisas em si, mas na adequação da coisa com o intelecto, pois os conceitos, as idéias ou um universal não estão inatos na mente humana, eles afloram fundamentalmente da experiência quando temos contato com a matéria e colhemos, nessa, a sua essência.
Dessa maneira o termo universal ganha, em Tomás de Aquino, uma determinação, pois eles são objetos próprios e diretos do intelecto. Sendo assim, ele estabelece que esses universais não subsistem fora das coisas individuais, mas somente nelas enquanto se tornam reais. Ou seja, o universal é uma forma de extração ou abstração do elemento particular existente nas coisas.
Ao comentar Aristóteles, nosso autor explica o sentido dos quantificadores dizendo que pode-se predicar algo do universal de duas maneiras: a) como tendo uma existência separada do singular, no caso na mente, ou b) como estando nos singulares. O conceito universal pode ser tomado como universal particular ou singular. Tomás explica como tomar o universal universalmente:
“Com efeito, algumas vezes se atribui alguma coisa a um universal [a um conceito universal] em razão de sua natureza universal; diz-se, então, que algo é predicado universalmente dum universal, pois este universal convém a todos os singulares nos quais ele se encontra; também para significá-lo nas predicações afirmativas forjou-se a expressão "todo" que designa um predicado atribuído a um sujeito universal para todas aquelas coisas que estão contidas sob esse sujeito” (Peryermenias,I, cap. 10, p. 52)

Ao se falar da verdade ele afirma que o verdadeiro está primeiro na inteligência, e só depois na coisa, ou seja, uma coisa só é verdadeira quando concorda com a inteligência que a conhece. Quando há uma correspondência, ou seja, uma concordância entre o objeto e a inteligência, isso se concretiza formalmente através do conceito de verdade. Para Tomás, o intelecto e as coisas são homônimos nas definições das verdades do conhecimento.
Nesse processo, nosso autor considera como evidentes o conhecimento sensível, sendo dessa forma verdadeiro. Quando temos um erro dos sentidos é porque temos falsas interpretações dos dados sensíveis que chegam ao intelecto. Contudo, tal erro já não acontece no campo intelectual, onde pouco são os conhecimentos evidentes, pois quando captamos a não evidencia através do processo demonstrativo e acontece a passagem do universal para o particular, percebe-se a falsa passagem da demonstração pois podemos efetuar a diferença das coisas.
Tomás afirmou que era preciso partir das verdades racionais porque era da razão que precisamos recorrer, pois ela é a base na qual se podia colher os primeiros resultados universais. Nesse ínterim, para conhecer o mundo, o homem precisava refletí-lo usando a razão. A verdade ontológica tomaziana é a perfeita adequação do intelecto à coisa. Para ele, as criaturas são semelhantes porque provém de Deus que é um “ato puro”, por isso todos estão no mesmo plano. Contudo, suas afirmações nos relatam que as criaturas se deferem do criador em razão da sua essência imperfeita, ou dessemelhança com em relação ao Criador, que é supremo, por isso apresentando-se como o ato de ser, diferente dos demais seres que apresentam somente uma espécie de aptidão para ser.

3 – Considerações Finais
Diante do exposto, podemos observas que Tomás de Aquino considera que os universais são entidades que se dão somente na mente, ou seja, somente na mente é que a natureza pode adquirir universalidade. Para ele o universal somente pode ocorrer no entendimento, mediante a comparação, onde o intelecto associa seres em graus de inferioridade e diferença constituindo uma predicação. É nesse sentido o universal apresenta-se como um fundamento in re, ou seja, o universal é uma intentio mentis, uma intenção da mente, não encontrando-se nas coisas, mas na alma de quem conhece, tendo seu conceito, contudo, fundado na realidade das coisas. Já que é um conceito, o universal é um acidente da alma, uma forma de abstração da substância primeira e individual realizada pelo intelecto humano. Portanto, a universalidade é uma abstração realizada pelo intelecto, mediante a sua intervenção, não partindo, nesse ínterim, das coisas mesmas, as quais apresentam-se exclusivamente como individuais.
Esse posicionamento de Tomás de Aquino nos apresenta, de forma mais completa, a concepção do realismo moderado em pleno século XIII. Contudo, longe de finalizar o problema, o posicionamento de Tomás, no século XIV, será combatido e base fundamental para a elaboração de noções tanto realistas, como as de Duns Scotus, como nominalistas, como as de Guilherme de Ockham. Ou seja, nosso autor não apresentou a resposta final ao problema, mas clareou a forma de entendermos suas implicações no campo da metafísica, da ontologia e da epistemologia.

4 – Referências Bibliográficas
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Media. Trad: Ivo Stormiolo. 7. ed, São Paulo: Paulus,2002.1V.
BEUCHOT, Mauricio. El problema de los universales. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1981.
LEITE JUNIOR, Pedro. O problema dos universais: a perspectiva de Boécio, Abelardo e Ockhan. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.
OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Reviravolta Lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
GILSON, Etienne. A Filosofia na Idade Media, Trad. E. Brandão. Martins Fontes, 1995.
Fonte na internet:
O Mundo dos Fiolosofos em Tomás de Aquino
Htpp://www.mundodosfilosofos.com.br
Htpp://www..trigueiros.com.br/filosofia/medieval

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